CANCIONEIROS2022-12-13T18:51:27+00:00

CANCIONEIROS MEDIEVAIS

CANCIONEIRO DA AJUDA

Folhear o Cancioneiro

O Cancioneiro da Ajuda é o mais antigo cancioneiro ibérico que nos chegou. Datável de inícios do século XIV (e, portanto, contemporâneo da última geração de trovadores), trata-se de um rico manuscrito iluminado, embora manifestamente inacabado, como é muito visível nas suas iluminuras, muitas delas com pintura incompleta ou mesmo com figuras apenas desenhadas (o mesmo se passando com as iniciais e também com o espaço destinado à notação musical, que infelizmente nunca foi preenchido). Do ponto de vista dos textos que nos transmite, ele é também bastante incompleto, já que contém apenas 310 composições, na sua esmagadora maioria de um único género, a cantiga de amor.

São 16 as iluminuras inacabadas que hoje se encontram no Cancioneiro da Ajuda – note-se que, entre os elementos sem preenchimento de cor, se incluem todos os rostos das figuras, trabalho que, pela sua maior dificuldade, ficaria a cargo de um iluminador mais especializado, que não chegou a entrar em ação –, mas é visível ainda que em mais 13 dos fólios conservados foi deixado espaço para uma iluminura, que não chegou sequer a ser começada. De resto, as iluminuras não foram introduzidas ao acaso. Não havendo, no Cancioneiro da Ajuda, indicação de autorias (ou seja, os nomes dos autores das composições não constam), deduzimos, no entanto, pela comparação com os apógrafos italianos (onde a grande maioria das cantigas são igualmente transcritas, aí com indicação dos seus autores), que as iluminuras foram (ou seriam) colocadas no fólio em que se iniciam as composições de um novo autor, destinando-se exatamente a marcar a mudança de ciclo.

Descoberto casualmente na biblioteca do Colégio dos Nobres em inícios do século XIX, pelo então embaixador britânico em Portugal, Lord Charles Stuart, bibliófilo e um homem com vastos interesses culturais (e que dele faz logo uma pequena edição em 1823, saída em Paris), em maio de 1832, pouco antes da extinção do Colégio dos Nobres, foi transferido, por decisão governamental, para a Biblioteca Real, contígua ao Palácio da Ajuda, lugar onde se tem mantido desde então. Acrescente-se apenas que, alguns anos após esta transferência, se encontraram, na Biblioteca Pública de Évora, 11 fólios (um caderno e alguns fólios soltos) que manifestamente pertenciam ao Cancioneiro, os quais, por petição de Alexandre Herculano, à época bibliotecário-mor da Real Biblioteca da Ajuda, foram transferidos para Lisboa e integrados no códice.

Sobre as suas origens (quem o mandou fazer e onde), ou sobre o seu percurso nos séculos seguintes, pouco sabemos – sendo esta exatamente a matéria central deste projeto STEMMA. 

CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL

Folhear Cancioneiro

O Cancioneiro da Biblioteca Nacional, também chamado Cancioneiro Colocci-Brancuti, é, com as suas cerca de 1560 cantigas de todos os géneros, o mais completo dos códices que nos transmitiram a lírica galego-portuguesa. O códice, atualmente guardado nos Reservados da Biblioteca Nacional de Portugal, com a cota COD 10991, não é, na verdade, um manuscrito medieval, mas antes uma cópia de um primitivo manuscrito medieval, hoje desaparecido, cópia essa mandada executar em Roma, por volta de 1525-1526, pelo humanista Angelo Colocci (m. 1549), à época alto funcionário da Câmara Apostólica. Ao que percebemos, Colocci mandou, aliás, executar duas cópias, uma para oferecer (talvez mesmo à Biblioteca Vaticana) e outra para si próprio, esta última decerto destinada a servir de objeto de trabalho (como comprovam as abundantes anotações, em margens e fólios brancos, feitas pela sua mão ao longo deste códice).

Localizado, em 1875, na biblioteca do conde Paolo Brancuti, em Cagli, Ancona (região de onde Colocci era natural, de resto), o códice foi vendido, em 1888, ao conhecido filólogo Ernesto Monacci (o qual, já em 1880, tinha concluído e publicado a edição preparada pelo seu jovem e malogrado aluno Enrico Molteni). Com a morte de Monacci, em 1918, os seus herdeiros põem à venda o manuscrito. Por impulso de José Leite de Vasconcelos, que soube da notícia por um seu colega italiano, organizou-se então um movimento, que reuniu, além do nosso embaixador em Roma, alguns dos mais importantes intelectuais e escritores portugueses da época (com destaque para D. Carolina Michaëlis de Vaconcelos) com vista a pressionar as autoridades da jovem República a comprarem e trazerem para Portugal o precioso códice (cujo preço era elevado). É justo que se destaque o papel central que neste movimento teve ainda Júlio Dantas, primeiro enquanto Inspetor Geral das Bibliotecas e Arquivos e logo em seguida como Ministro dos Negócios Estrangeiros. E assim, a 26 de fevereiro de 1924, o Cancioneiro Colocci-Brancutti dava finalmente entrada na Biblioteca Nacional, onde se mantém desde então.

Para além das cantigas que nos transmite, juntamente com os nomes dos seus autores (ausentes no Cancioneiro da Ajuda), este cancioneiro  abre ainda com a «Arte de Trovar», fragmentário mas importante testemunho sobre a arte trovadoresca galego-portuguesa.

CANCIONEIRO DA VATICANA

Folhear Cancioneiro

O Cancioneiro da Biblioteca Vaticana será, com grande probabilidade, a segunda cópia que Angelo Colocci mandou realizar, por volta de 1525-1526, de um grande cancioneiro medieval hoje desaparecido. O códice encontra-se na Biblioteca Vaticana desde finais do século XVI (com a cota Vat.Lat. 4803), nela tendo dado possivelmente entrada com outros livros de Colocci. Redescoberto por volta de 1840, o códice apresenta numerosas lacunas, entre as quais uma importante lacuna inicial (correspondente às primeiras 390 cantigas). Mas, no conjunto das cerca de 1200 composições que nos transmite (juntamente com o nome dos seus autores), encontram-se alguns testemunhos únicos (correspondentes a lacunas quer do Cancioneiro da Biblioteca Nacional, quer do Cancioneiro da Ajuda). 

Copiado apenas por uma mão, e mais simples e mais claro na sua feitura, este códice parece ter sido destinado a oferta pelo próprio Colocci, que nele intervém de forma apenas técnica e pontual.